quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A meu favor tenho o teu olhar...

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

Manuel António Pina in “Algo Parecido Com Isto, da Mesma Substância”

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Carpe diem.

Coimbra, 21 de Outubro de  1993  ─   Carpe diem. O velho Horácio disse-o provavelmente quando, como eu agora, já não podia recuperar nenhuma das muitas horas perdidas. Porque, desgraçadamente, é sempre o que acontece. Poucos chegamos ao fim contentes de termos respondido a todos os acenos da vida. Levamos connosco para a sepultura o pesadelo dos gestos que não fizemos, das palavras que não proferimos, dos actos que não praticámos, dos sentimentos a que não damos expressão. A cruciante consciência de que a grande parte das oportunidades que tivemos foram desperdiçadas. E a íntima e desesperante certeza de que, tê-las aproveitado, seria o melhor da nossa existência. 
Carpe diem. Foi-nos recomendado. Mas o talvez mais clarividente alerta que em todos os tempos um poeta nos fez, não teve, nem tem, ouvidos capazes de o ouvir. É uma locução erudita morta, sepultada nas páginas azuis dos dicionários.
 Diário, XVI, 1993, Miguel torga

Por uma cidade, numa cidade, por ti, por mim, em mim renasce a vida, as emoções, os livros, as palavras...