quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

É beijo...

                       Beijo
Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no de abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mas beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios lábios se deseja.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Houvesse neve...



Nem sempre neva, nem sempre tudo gela.
Agora o frio não gela a alma, nem arrefece o coração.
Agora traz-se a alma aconchegada, ainda que os medos andem por aí...
Houvesse neve e haveria apenas a beleza e o aconchego.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O tell me the truth about love.. .


O Tell Me The Truth About Love
 
Some say love's a little boy,
And some say it's a bird,
Some say it makes the world go around,
Some say that's absurd,
And when I asked the man next-door,
Who looked as if he knew,
His wife got very cross indeed,
And said it wouldn't do.
 
Does it look like a pair of pyjamas,
Or the ham in a temperance hotel?
Does its odour remind one of llamas,
Or has it a comforting smell?
Is it prickly to touch as a hedge is,
Or soft as eiderdown fluff?
Is it sharp or quite smooth at the edges?
O tell me the truth about love.

Our history books refer to it
In cryptic little notes,
It's quite a common topic on
The Transatlantic boats;
I've found the subject mentioned in
Accounts of suicides,
And even seen it scribbled on
The backs of railway guides.

Does it howl like a hungry Alsatian,
Or boom like a military band?
Could one give a first-rate imitation
On a saw or a Steinway Grand?
Is its singing at parties a riot?
Does it only like Classical stuff?
Will it stop when one wants to be quiet?
O tell me the truth about love.
 
I looked inside the summer-house;
It wasn't over there;
I tried the Thames at Maidenhead,
And Brighton's bracing air.
I don't know what the blackbird sang,
Or what the tulip said;
But it wasn't in the chicken-run,
Or underneath the bed.

Can it pull extraordinary faces?
Is it usually sick on a swing?
Does it spend all its time at the races,
or fiddling with pieces of string?
Has it views of its own about money?
Does it think Patriotism enough?
Are its stories vulgar but funny?
O tell me the truth about love.
 
When it comes, will it come without warning
Just as I'm picking my nose?
Will it knock on my door in the morning,
Or tread in the bus on my toes?
Will it come like a change in the weather?
Will its greeting be courteous or rough?
Will it alter my life altogether?
O tell me the truth about love.
Ah, diz-me verdade acerca do amor
 
Há quem diga que o amor é um rapazinho,
E quem diga que ele é um pássaro;
Há quem diga que faz o mundo girar,
E quem diga que é um absurdo,
E quando perguntei ao meu vizinho,
Que tinha ar de quem sabia,
A sua mulher zangou-se mesmo muito,
E disse que isso não servia para nada.

Será parecido com uns pijamas,
Ou com o presunto num hotel de abstinência?
O seu odor faz lembrar o dos lamas,
Ou tem um cheiro agradável?
É áspero ao tacto como uma sebe espinhosa
Ou é fofo como um edredão de penas?
É cortante ou muito polido nos seus bordos?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Os nossos livros de história fazem-lhe referências
Em curtas notas crípticas,
É um assunto de conversa muito vulgar
Nos transatlânticos;
Descobri que o assunto era mencionado
Em relatos de suicidas,
E até o vi escrevinhado
Nas costas dos guias ferroviários.
 
Uiva como um cão de Alsácia esfomeado,
Ou ribomba como uma banda militar?
Poderá alguém fazer uma imitação perfeita
Com um serrote ou um Steinway de concerto?
O seu canto é estrondoso nas festas?
Ou gosta apenas de música clássica?
Interrompe-se quando queremos estar sossegados?
Ah! diz-me a verdade acerca do amor.
 
Espreitei a casa de verão,
E não estava lá,
Tentei o Tamisa em Maidenhead
E o ar tonificante de Brighton,
Não sei o que cantava o melro,
Ou o que a tulipa dizia;
Mas não estava na capoeira,
Nem debaixo da cama.
 
Fará esgares extraordinários?
Enjoa sempre num baloiço?
Passa todo o seu tempo nas corridas?
Ou a tocar violino em pedaços de cordel?
Tem ideias próprias sobre o dinheiro?
Pensa ser o patriotismo suficiente?
As suas histórias são vulgares mas divertidas?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.
 
Chega sem avisar no instante
Em que meto o dedo no nariz?
Virá bater-me à porta de manhã,
Ou pisar-me os pés no autocarro?
Virá como uma súbita mudança de tempo?
O seu acolhimento será rude ou delicado?
Virá alterar toda a minha vida?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.
               Janeiro, 1938
 
                W.H. Auden,
                 DIZ-ME A VERDADE ACERCA DO AMOR,
               Tradução de Maria de Lourdes Guimarães,
               Relógio d´Água, 1994

 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

da espera...

Durante tanto tempo tratava-se da soma dos dias. Somavam-se os dias, apenas, como que se visse a vida do lado de fora.
Hoje, ainda que inexoravelmente os dias sejam somados, está-se do lado de dentro da vida.
Sente-se a perfeição neste não se querer mais nada, sorri-se por se ter deixado cair, finalmente, de tantas frases o quase.
Como os barcos esperam no cais por quem os leve, assim se esteve até que, com feliz serenidade, incredulidade e assombro, se deixou o cais e a espera para trás. Viajante como criança onde o espanto e a emoção transbordam do peito e dos dias e continuam nos alegres sonhos da noite.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A meu favor tenho o teu olhar...

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

Manuel António Pina in “Algo Parecido Com Isto, da Mesma Substância”

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Carpe diem.

Coimbra, 21 de Outubro de  1993  ─   Carpe diem. O velho Horácio disse-o provavelmente quando, como eu agora, já não podia recuperar nenhuma das muitas horas perdidas. Porque, desgraçadamente, é sempre o que acontece. Poucos chegamos ao fim contentes de termos respondido a todos os acenos da vida. Levamos connosco para a sepultura o pesadelo dos gestos que não fizemos, das palavras que não proferimos, dos actos que não praticámos, dos sentimentos a que não damos expressão. A cruciante consciência de que a grande parte das oportunidades que tivemos foram desperdiçadas. E a íntima e desesperante certeza de que, tê-las aproveitado, seria o melhor da nossa existência. 
Carpe diem. Foi-nos recomendado. Mas o talvez mais clarividente alerta que em todos os tempos um poeta nos fez, não teve, nem tem, ouvidos capazes de o ouvir. É uma locução erudita morta, sepultada nas páginas azuis dos dicionários.
 Diário, XVI, 1993, Miguel torga

Por uma cidade, numa cidade, por ti, por mim, em mim renasce a vida, as emoções, os livros, as palavras...

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

do renascer.



Quem serás tu? Oxalá fosses quem deverias ser.
E se o fosses? Saberia reconhecê-lo?
Saberia continuar a ser eu, acaso fosses tu quem deverias ser?
Saberia receber-te, se acaso fosses quem deverias ser?
Frases soltas que emergiram do espanto e do assombro suave.
Crê-se que se sabia o que se esperava, ah, mas a demora tolda-nos o ver.
E um olhar que nos revolve o ser, devagar.
Renasce-se, com flores e sonhos...

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

da verdade...


 
“(…) com efeito, só enquanto a coragem ousa atirar-se para a frente é que, segundo o grau de força, alguém se aproxima da verdade.
Para o forte, o conhecimento, o dizer sim à realidade é uma necessidade tal como, para o fraco, sob a inspiração da fraqueza, também é uma necessidade a cobardia e a fuga perante a realidade – o «ideal»...  A estes não está patente o conhecer: os décadents precisam da mentira, esta é uma das condições da sua conservação. 
Quem não só compreende a palavra «dionisíaco», mas se compreende a si na palavra «dionisíaco», não necessita de qualquer refutação de Platão, ou do cristianismo, ou de Schopenhauer – fareja a putrefacção...” 
 Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Como se chega a ser o que se é.      Nietzsche, doc.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

do lugar de sempre...

 
Volta-se ao lugar de sempre, ao lugar onde se sente que, se tu estivesses, nada mais se haveria de querer.
Volta-se ao lugar onde nunca estiveste.
Saberás que há sempre a presença da tua ausência, ainda que já demasiado ténue?
Volta-se ao lugar onde se sente que se está só, ainda que sem solidão.
Volta-se ao lugar onde, na calma das águas, no sossego e silêncio das gentes, se pensa no que nos falta.
Volta-se ao lugar onde a cada regresso se agradece a alegria, a paz, e a generosa soma dos dias.
Volta-se ao lugar onde mesmo sem ti, se é feliz, ainda que de forma pequena.
Soubesse-se explicar o que se sente a cada regresso...

sexta-feira, 20 de julho de 2012

do devir...



Na verdade, ainda que apreciemos o devir, é-nos difícil aceitar a mudança, a alteração do ser.
(ah,  mas o Ser é imutável, perfeito e eterno...)
Seríamos outros se o mundo fosse composto não de mudança mas de imutabilidade.
Procurámos fazer permanecer, fixar, o que nos emociona, o que nos cala...
É isto que uma fotografia nos leva a pensar.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

do silêncio...


Que se  pode fazer para emergir deste silêncio?
Que fazer para sair deste silêncio que nos cala as palavras?
Que poesia nos pode resgatar?
Ainda nos salvará alguma ternura?
Com que olhos procurar a poeisa do mundo?
Em que gestos inventar a ternura?
Que cabe no silêncio?
Vida, poesia e ternura, sempre.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Chama que morre...


Há momentos em que a chama no nosso olhar, e em nós, vai morrendo.
Como se a tristeza fosse um ar frio, ainda que suave, que vai apagando a chama. Fica-se a olhar para a chama vendo-a extinguir-se lentamente, tão lentamente que parece por vezes ainda durar, e luta-se até ao fim, protegendo-a esperando outro desenlace, que não o fim.
Bem sabemos que esse mesmo ar frio pode voltar a reacendê-la.
E nisto se tarda… e a demora?

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Chama que morre...


A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infâmia...
A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infâmia chamada ser feliz — tudo isto cheira a mundo, sabe à triste coisa que é a terra.
Sê indiferente. Ama o poente e o amanhecer, porque não há utilidade, nem para ti, em amá-los.
Veste teu ser do ouro da tarde morta, como um rei deposto numa manhã de rosas, com Março nas nuvens brancas e o sorriso das virgens nas quintas afastadas. Tua ânsia morra entre mirtos, teu tédio cesse então [...] e o som da água acompanhe tudo isto como um entardecer ao pé de margens, e o rio, sem sentido salvo correr, eterno, para marés longínquas. O resto é a vida que nos deixa, a chama que morre no nosso olhar, a púrpura gasta antes de a vestirmos, a lua que vela o nosso abandono, as estrelas que estendem o seu silêncio sobre a nossa hora de desengano. Assídua a mágoa estéril e amiga que nos aperta ao peito com amor.
 [...]

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Mais raro que breve...

Às vezes a ficção dá-nos a ideia de que é possível, nomeadamente de que é fácil. Fácil viver, fácil perder e ganhar, fácil perder e encontrar, fácil o encontrar. Porém a realidade, sem delicadeza ou suavidade, mostra-nos que o encontrar é tão raro. Relembram-se os verdes anos, o tempo em que todos os sonhos eram possíveis (quando a ficção não nos era tão extrínseca,  mas misturava-se em nós como coisa vivida). Nesses tempos não houve a generosidade dos deuses na abundância dos encontros, mas disso não se reclamava. Houve o frémito da pequena emoção, do olhar que se roubava, do sorriso ou toque que se resgatava. Achava-se, à época, que tal era privilégio raro, e como o tempo passava lento demorávamos-nos no viver de tais emoções, não pensando na raridade.
Hoje sabe-se que, ainda que tudo seja tão breve, é mais raro que breve.

sábado, 19 de maio de 2012

do silêncio...

 Federico Mompou, Musica Callada, Silent Music


"424 - Quando estiveres cansado de olhar uma flor, uma criança, uma pedra, quando estiveres cansado ou distraído de ouvir um pássaro a explicar o ser, quando te não intrigar o existirem coisas e numa noite de céu limpo nenhuma estrela te dirigir a palavra, quando estiveres farto de saberes que existes e não souberes que existes, quando reparares que nunca reparaste no azul do mar, quando estiveres farto de querer saber o que nunca saberás, se nunca o amanhecer amanheceu em ti ou já não, se nunca amaste a luz e só o que ela ilumina, se nunca nasceste por ti e não apenas pelos que te fizeram nascer, se nunca soubeste que existias mas apenas o que exististe com esse existir, quando, se -, porque temes então a morte, se já estás morto?"

                                                
                                                Vergílio Ferreira, pensar,1993 Vergílio Ferreira

domingo, 13 de maio de 2012

da lentidão


Continua-se a ter tão pouco para dizer, torna-se o silêncio mais presente.
Há lugares, cidades, que se visitam, outros países, lugares com gentes, cheiros e olhares, porém falta-me o tempo para a demora necessária do sentir.
Olhar e sentir exige-me tempo, preciso da lentidão no andar, no olhar...
sempre a lentidão, ainda que seja a velocidade que impera e comanda os dias.
E fica o silêncio porque não se acha o que escrever, e porque o sentir cala o pensar.
Fica o silêncio porque não se acha o que escrever  face ao tédio...
Fica o silêncio no encontro das palavras escritas dos outros
Fica o silêncio porque morre quem tinha mais vida, mais arte, mais música...
Fica o silêncio porque da espera já não lembro.